Até hoje, sempre prezei muito o facto de não me levar demasiado a sério; era uma questão de orgulho não o fazer; mais, uma questão de sanidade; quando não nos levamos assim tão a sério ao ponto de começar a achar que podemos acabar com a fome no mundo ou que conseguimos criar um novo sistema político-social mais válido (um que não inclua nem uma segurança social pouco segura, que come a cabeça ao pobre, nem recibos verdes) somos capazes de perceber melhor o nosso lugar no mundo, sabemos o nosso tamanho e se calhar até acabamos, de facto, a fazer coisas válidas, porque o nosso foco de atenção não está em sermos sérios, mas em levar o que se passa à nossa volta a sério.
Saber rir de nós próprios também ajuda (quem se leva demasiado a sério por norma não se sabe rir, não tem ponta de sentido de humor... Abençoados!). Rir é terapêutico e ajuda a ultrapassar muitas das paranóias inerentes à qualidade de ser humano. Por exemplo, sempre apreciei, na minha pessoa e nas outras, a capacidade de rir se escorregamos na lama e acabamos estatelados numa poça de água em público, ou se por acidente espirramos violentamente para cima daquela pessoa que ainda há 10 minutos estávamos a tentar seduzir com o nosso olhar 44, aquele que se ensaia à frente do espelho e que envolve pestanejar de forma sexy, e estamos a falar da pessoa que já vizualizávamos como o pai dos nossos filhos, não de um mafarrico qualquer. Obviamente a ideia é que desta forma o resto do mundo se ria connosco e não de nós!
Mas hoje mudei de opinião.(Se bem que ideia já andava a germinar à um tempo, não foi assim tão súbita a mudança.)
E mudei de opinião porque comecei a perceber que o mundo adora pessoas que se levam a sério... O mundo adora ouvir a opinião e beber as palavras de quem se leva a sério... Adora a seriedade demagógica, o egocentrismo e o egoísmo de quem se leva demasiado a sério... Adora odiar quem se leva demasiado a sério!
Basta olhar à volta para constatar esta realidade; se ligarmos a televisão vemos lá uma data de pessoas a dar a sua opinião inútil, em programas inúteis, de forma séria, televisão que, no entanto, toda a gente continua a ver; se vamos a um posto médico porque se nos inflama um ovário, por exemplo, e esperamos 4 horas para ser atendidos, acabamos por encontrar um/a senhor/a doutor/a que se leva demasiado a sério, mas que não nos leva nem a nós nem às nossas maleitas a sério, e que com sorte ainda nos bufa por termos lá ido interromper um qualquer momento de seriedade que estivesse a ter consigo próprio, no entanto o estatuto de doutor ainda intimida muita gente o que faz com que nunca nos queixemos de ser tratados como gado nas mãos destas pessoas tão sérias.
Aliás quantos de nós não convivem, na intimidade do nosso círculo de amigos e conhecidos, com uma ou outra pessoa que se leva demasiado a sério; daquelas (lá está!) que nunca se riem das piadas, e que ficam ofendidos com quem as faz; e que expressam sempre posições muito fortes e importantes sobre: o estado do mundo, da arte, da economia, da comida, do preço das corridas de táxi, etc., etc., etc. Que são tão sérios, tão sérios que nos irritam ao ponto do frémito de vómito, primeiro porque passam mais tempo a pensar na seriedade com que têm de expor todas as suas opiniões do que a tentar mudar alguma coisa, segundo porque ninguém atura sempre gente que está constantemente zangada com o mundo (as pessoas que se levam demasiado a sério são, por norma, umas grandes furiosas dramáticas, com grandes raivas interiores!), mas a verdade é que continuamos a partilhar a vida com algumas pessoas destas e a levá-las a sério! Quanto mais não seja mantêmo-las por perto para nos lembrarem de porque é que não somos tão sérios e chatos quanto eles e depois porque é sempre um prazer revirar os olhos enquanto os ouvimos.
Mas a verdade é que estas pessoas causam impacto!!! Nunca se fica indiferente a quem se leva demasiado a sério, e quer queiramos quer não acabamos a dar-lhes atenção (algumas vezes sob coacção física, que esta gente é perigosa e sabe fazê-la bem!).
Foi por causa de tudo isto que mudei de opinião... Quero ser ouvida, quero ser irritante, quero que vão para casa a falar de mim, bem ou mal, não importa! E acima de tudo ter essa sensação magnífica de que o mundo gira à minha volta ao mesmo tempo que está contra mim.
Está decidido! Mal acabe de escrever isto vou tornar-me uma pessoa que se leva demasiado a sério... E depois, obviamente, vou escrever outro texto, mais sério, em que discutirei uma qualquer parvoíce ainda maior do que esta, mas com muita seriedade intelectual e com algumas nuances emocionais que podem variar entre a melancolia séria e a zanga interior, também ela séria.
Espero irritar-vos bastante...
1 comentário:
lambidelas nos óculos!
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