Mordi-te porque quando te beijei o ombro me lembrei do sabor das cerejas!
A sensação da tua pele na minha boca trouxe-me de volta a memória de um dia de chuva, há muito tempo atrás, quando ainda não conhecia o teu sabor, só o das cerejas... Um tempo em que não sabia sequer que alguém pudesse saber assim, especificamente a cerejas num dia de chuva.
É tão raro comê-las em dias assim!
Foi num daqueles junhos nortenhos em que o céu está carregado de nuvens, em que no ar sentes uma estranha electricidade, que arrepia os cabelos da nuca; e que, se fechares os olhos e ouvires com muita atenção, consegues sentir na pele os múrmurios de vozes longínquas arrastadas pelo vento, carregadas de desejos... Eu não saí nesse dia, recusei um convite de cinema para ver uma qualquer película americana destinada a adolescentes apaixonados e preferi ficar sozinha à espera da chuva que me era prometida.
E ela chegou, com um trovão de aviso, primeiro em bátegas fortes e carregadas, como uma amante furiosa que bate nos vidros e exige entrar, suave depois, transformando a sua voz no lamento de quem foi deixado à sua sorte sem amor.
Quando a chuva serenou abri a janela e deixei-me ali ficar, nem sei por quanto tempo, com a água a bater-me na cara; a reconhecer o cheiro da terra molhada e a comer cerejas maduras; a experimentar, como se fosse a primeira vez: a textura da cor vermelha nos meus dentes, na minha língua; o quente do fruto, o frio da água e o cheiro cru da terra.
E este é o sabor da tua pele na minha boca, por isso não resisti a morder-te o ombro depois do beijo. Precisava de ter a certeza, de saber da tua cor nos meus dentes, da tua textura; para guardar, sem equívocos, o teu paladar e cheiro nas minhas memórias e para me relembrar do sabor das cerejas num dia de chuva.
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