Porto, 3 da manhã.
É a hora certa para sair; ligo o pequeno bólide vermelho e faço-me à estrada; vou ver a cidade, o rio e desembocar no mar. Trajecto planeado.
Quero cheirar a noite da minha cidade.
Acompanha-me a lua trapalhona, pendurada no céu por um braço.
Gosto destas horas no Porto, destas pausas respiradas que a cidade me permite, destas noites em que me perdoa por estar sempre a fugir para outros sítios; às vezes faz-me beicinho em coquette mal amanhada, mas como sabe que não tem jeito para figuras chiques, sussurra-me uma gargalhada ao ouvido e deixa-se de merdas.
Vou passando pelas tuas ruas, rádio ligado e mal sintonizado (será que as antenas funcionam pior à noite? Será que ainda tenho antena? Logo reparo melhor), passo: pelas casas velhas, pelos shopings novos, pelas pontes que se iluminam, pelos homens que te lavam as pedras da calçada, pelas putas e travestis que sorriem sem vontade, pela arte abandonada à rebelia na Avenida e que ainda ninguém reparou que lá não devia estar (grande Sesões que vens de tão longe ensinar como se faz!!!) e tudo respira noutra realidade; nunca nenhuma cidade será como tu, mais nenhuma tem esta mistura entre o brejeiro e o melancólico, a luz das àguas e o fantasmagórico dos teus nevoeiros.
Chego ao mar. Páro, sentas-te no meu colo, cidade, e fumamos um cigarro a meias, sem pensar. Ficamos assim um bom bocado, até os pés se queixarem do frio e as mãos ficarem roxas.
Volto ao bólide e ao rádio, que de repente funciona melhor (vá-se lá perceber!), e estou pronta a dizer-te um até já e ir para casa dormir; mas eis que... subitamente... se fazem ouvir os primeiros acordes da "Easy" dos Faith No More! Sem saber era mesmo isto que me apetecia ouvir hoje! E logo a seguir (UAU!) "Golden Brown", dos The Stranglers (que partida é esta? Quem está encarregue de me descobrir as músicas?); mais uma, logo de seguida: Chris de Burgh, "The lady in red" (a ficar cada vez melhor). Só pode ser um sinal para não parar de andar nas tuas ruas, pelo menos até a banda sonora perder qualidade ou ganhar uma coerência chata.
Desisto da ideia de ir para casa, troco as voltas ao trajecto planeado, saco da artilharia pesada, uma cassete (sim, em pessoa antiga que sou ainda tenho cassetes); Red Hot Chili Peppers, "Blood, Sugar Sex, Magic"; não posso confiar sempre no rádio, não vá de repente começar a dar Carla Bruni e estragar tudo; e entro em improvisação!
Viajo por todo o lado, por todas as ruelas, faço o rio e o mar de alto a baixo, visito os teus nichos, revisito o que me dá na real gana uma e outra vez, páro de vez em quando para fumar e ouço-te rir cada vez mais alto.
Tinha saudades tuas cidade.
Queria voltar para sempre, mas sabes que não seríamos felizes; tu não consegues deixar de ser um bocadinho possessiva e ciumenta (sabes que não aguento isso) e eu gosto demais de sentir a estrada debaixo dos pés, não consigo estar parada no mesmo sítio por muito tempo. Continuamos assim com pequenos momentos, é melhor; sabes que o meu corpo anda por aí, mas que o coração é teu. És a única amante que amo de verdade.
E estou feliz por ter voltado este bocadinho, com pés dormentes e mãos frias, a música chegou ao fim e estou cansada, mas tão feliz!
Agora sim, volto a casa; escrevo este texto meia enrolada no sono, abraço-me e adormeço como se estivesses a meu lado, com o teu cheiro no corpo.
Até já minha cidade.
2 comentários:
Gosto muito deste blog
Bom... Só resta saber se realmente tinhas ou nao antena no carro!? Porque com este texto não existem dúvidas algumas do quão fantástica é a cidade do Porto! Só mesmo o Rui Veloso te acompanha na descrição de tão bela cidade....
eres mui guapa...
A. de Afilhado
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